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Thursday 13 October 2011

Long gone

Após um longo verão volto a postar, juntamente com todos os estudantes universitários que encontro novamente em cada canto dessa cidade de espírito essencialmente acadêmico. É impressionante (e deliciosa) a energia que emanam. Adoro esse retorno às aulas, extremamente estimulante.

Na semana passada consegui a carteirinha de leitora da Bodleian Library, vinculada à Universidade de Oxford, uma das bibliotecas mais importantes do mundo, não apenas por seu acervo, como também pelos prédios onde funciona (alguns deles em uso contínuo desde a Idade Média, usados como cenários de filmes como Harry Potter). 

Fachada externa do Quadrângulo, Bodleian Library.
Fachada interna do Quadrângulo, Bodleian Library.
Divinity School, Bodleian.

Agora mesmo estou em uma enorme sala do início do século 17, com vista para a Radcliffe Camera (um dos cartões postais de destaque daqui, também parte da Bodleian). Rostos de importantes pensadores de todos os tempos figuram na borda que traspassa a sala, com a fatigante missão de inspirar os leitores no decorrer dos séculos. Mas antes de tentar ouvir os conselhos dessas mentes do passado, resolvi compartilhar mais uma experiência interessante. 

Vista da Radcliffe Camera.

A biblioteca organiza exposições temporárias em uma das antigas salas de aula (medievais) de seu prédio principal (onde estou). Como o espaço é bem limitado, por tolice (ou ingenuidade), nunca dei muita importância aos temas lá apresentados até visitar a presente exposição, Treasures of the Bodleian. Entre mapas antigos, manuscritos diversos e livros científicos, de história, religião, literatura e música, enfim, realmente vários tesouros, foi um pedacinho de papiro, uma carta de uma pessoa totalmente desconhecida que mais me fascinou nessa primeira visita.

Trata-se de um delicado papiro do século 2º ou 3º AC, carta de um rapaz a seu pai. Sem a sua exata tradução na exposição, fiquei bastante intrigada com seu conteúdo integral, sabendo apenas tratar-se de um garoto escrevendo ao pai que o abandonara. A fragilidade e a leveza do papiro associados à difícil situação do autor junto à insignificância de seu nome diante de tantos outros de peso ao seu redor (como Shakespeare e Dante), me comoveu.

Claro que visitarei a exposição ainda outras vezes, e tenho certeza de que outros itens se destacarão ao meu olhar, mas as coisas que tocam o coração parecem resistir às forças do tempo...
Foto do papiro.

Transcrição disponível no website da exposição:

Theon to his father Theon, greetings. A nice thing to do, not taking me with you to the city. If you refuse to take me with you to Alexandria, I shall not write you a letter or speak to you or wish you good health. So: if you go to Alexandria I shall not take your hand or greet you ever again. If you refuse to take me, this is what happens. And my mother said to Archelaos, “He’s upsetting me, take him away!” A nice thing to do, sending me these grand presents, a hill of beans. They put us off the track that day, the 12th, when you sailed. Well then, send for me, I beg you. If you don’t send for me, I shan’t eat, I shan’t drink. There! I pray for your health. [Address] Deliver to Theon from Theonas his son.

[Source: P. Parsons, City of the Sharp-Nosed Fish, London, 2007, p. 129]

Fonte: http://treasures.bodleian.ox.ac.uk/Letter-from-an-Egyptian-boy-to-his-father

Sunday 12 June 2011

Lost and found

Entre tantas (boas) opções de séries produzidas pela BBC para a televisão, uma das minhas favoritas até o momento foi, sem dúvida, "At Home with the Georgians", apresentada pela brilhante historiadora Amanda Vickery, autora do livro "Behind Closed Doors: At Home in Georgian England", que deu origem à série.

Em quase três horas de programa (divididos em três grandes temas), Vickery nos leva a uma verdadeira viagem no tempo, entre as paredes das mais diversas moradias georgianas, com todos os seus costumes. Foi fascinante ter a chance de conhecer mais sobre esse universo, exibido com tanta diplomacia e riqueza de detalhes.

Mas o que mais me encantou foi, sem dúvida, o relato feito sobre um orfanato da época. Um dos maiores problemas sociais de Londres no início do século 18 era a enorme quantidade de crianças completamente abandonadas ou atiradas à compaixão das paróquias. Durante este período, 74% das crianças nascidas em Londres morriam antes de completarem 5 anos de idade, segundo os arquivos de história da BBC. Entretanto, à medida que a filantropia e ondas liberais da Igreja Anglicana ganhavam importância, novos hospitais foram fundados (lugares para pessoas, normalmente crianças, idosos e miseráveis, serem cuidados, não no sentido estrito da medicina, mas de forma geral), inclusive o Foundling Hospital, para crianças enjeitadas.

O fascinante sobre esse assunto é que, como não havia certidões de nascimento que pudessem ser mantidas como prova de maternidade, as crianças eram freqüentemente entregues ao orfanato com um pedaço de tecido (ou de um patchwork) que a identificaria caso, um dia, a mãe voltasse para exigir a criança, ocasião em que ela teria que apresentar um pedaço de tecido idêntico àquele entregue com seu filho. Por isto, essas amostras eram extremamente ricas em detalhes, seja na forma de uma estampa, de um bordado, ou mesmo ambos, de modo a assegurar a singularidade das mesmas. Tento imaginar a emoção da mãe ao escolher, preparar e dividir o tecido em duas partes, ação que representava sua separação de seu filho. E, sobretudo, ao tentar criar (ou escolher) o pedaço de tecido que se tornaria a identidade de ambos.


Vickery, no programa, visita o arquivo onde estão os livros de registro das crianças entregues no orfanato, verdadeiras raridades. Páginas em cor de sépia apresentam o número de registro, o sexo, o nome e a data de chegada da criança ao local em uma delicada caligrafia. Junto às informações, na mesma página, a amostra do tecido cujo par, tenho certeza, fora cuidadosamente guardado em um secreto lugar que mantinha a esperança de um dia se revelar de uma forma muito feliz, a de um reencontro.

 
Imagens da série "At Home with the Georgians", produzida pela BBC

 


 

Wednesday 8 June 2011

The glitter of the gold

Há algumas semanas, ainda no início da primavera, fomos até Woodstock, uma das minhas cidades favoritas nos arredores de Oxford (se reis e rainhas não tivessem lá morado, o lugar seria considerado um vilarejo, pelo seu tamanho). Dia de sol, o jardim nos chamava, mas o objetivo era mesmo o de finalmente explorar o interior do majestoso Blenheim Palace, onde o 11º Duque (e Duquesa) de Marlborough vive durante parte do ano.

Blenheim Palace









Local de nascimento de Winston Churchill, também serviu como cenário para diversos filmes, como "Greystoke", "The Avengers", "The Libertine", "The Young Victoria" e até mesmo "Harry Potter".  O lugar impressiona não apenas por suas dimensões, mas, sobretudo, por sua pompa carregada de história.

Entre tantos nomes importantes, tive uma feliz surpresa ao reencontrar Consuelo Vanderbilt em um retrato dos anos 1910 logo no início do tour. Conheci-a no Met Museum, em Nova York, na famosa pintura de Boldini, de 1906, em que aparece linda e suave com seu filho Ivor apoiado com uma pueril displicência em seu colo, em uma cumplicidade emocionante.

Consuelo Vanderbilt (1876–1964), Duchess of Marlborough, and Her Son, Lord Ivor Spencer-Churchill (1898–1956), Giovanni Boldini, 1906


Foi uma delícia passear entre paredes que revelavam vez ou outra, esta figura tão vistosa. Nascida em uma das mais ricas famílias americanas, casou-se, contra a sua vontade, com um dos muitos aristocratas ingleses falidos do final do século 19, para ter o título e propriedades que sua mãe tanto almejava. Um assunto tão familiar aos romances de Henry James e a um dos grandes sucessos da TV britânica dos últimos tempos, "Downton Abbey", em que normalmente terminam bem, mas este não foi bem o caso de Consuelo.

Consuelo Vanderbilt, por Paul César Helleu, cerca de 1900.
Extremamente educada, culta, rica (como a maioria das mocinhas da alta classe norte-americana do final do século 19) e bela (legado de sua avó de sangue cubano), Consuelo atraía vários candidatos. Sua beleza era tamanha que o escritor James Barrie (autor de “Peter Pan”) uma vez escreveu “Eu ficaria de pé o dia inteiro na rua para ver Consuelo Marlborough entrar em sua carruagem.” Obrigada a usar varas de metal no tórax e ombros para aperfeiçoar sua formosa postura quando ainda adolescente, ela encarnava com perfeição o difícil look magro e apertado tão em voga durante a era Eduardiana. Mas seu aspecto esguio e sutil, e seu bom gosto no vestir, garantiriam seu lugar privilegiado no ranking das mulheres mais elegantes do mundo com constância.

Consuelo Vanderbilt, 1899, by Lafayette
Consuelo, cerca de 1910

Capa da revista Life
Determinada a conseguir o candidato da mais alta posição social para sua única filha, uma união que enfatizasse a proeminência da família Vanderbilt na sociedade nova-iorquina, Alva Vanderbilt providenciou o encontro de Consuelo com o rico-em-propriedades, pobre-em-dinheiro, Charles Spencer-Churchill, 9º Duque de Marlborough, dono de Blenheim Palace. Apesar de Consuelo tê-lo rejeitado de todas as formas, estando apaixonada por um americano, sua mãe finalmente a convenceu a ceder quando, fingindo-se doente, acusou-a de estar matando-a com sua teimosia. O Duque, por sua vez, também se viu obrigado a desistir da mulher que amava para ganhar os 2,5 milhões de dólares (aproximadamente 75 milhões atuais) do dote.
Casamento de Consuelo Vanderbilt com o 9º Duque de Marlborough, 1895
O casamento aconteceu em Nova York, em 1895, e logo em seguida se mudaram para Blenheim. Apesar do desprezo mútuo, tiveram dois filhos, John Albert William Spencer-Churchill, Marquês de Blandford (que se tornou o 10º Duque de Marlborough) e Lorde Ivor Spencer-Churchill. Logo o casamento tornou-se de fachada. Separaram-se em 1906, divorciaram-se em 1921, e o casamento foi anulado em 1926.
Charles, 9º Duque de Marlborough, com Consuelo, Duquesa de Marlborough, e seus filhos John, o 10º Duque de Marlborough, e Lorde Ivor Spencer-Churchill, por John Singer Sargent, 1905
Consuelo casou-se uma segunda vez, em 1921, com o francês Jacques Balsan (um dos irmãos mais novos de Étienne Balsan, um dos primeiros amantes de Chanel), herdeiro da indústria têxtil e um dos pioneiros em balonismo e aviação. Depois de seu segundo casamento, Consuelo ainda manteve laços com os parentes da família Churchill, especialmente Winston Churchill (cuja mãe também era americana), que a visitava com freqüência na França durante os anos 1920 e 1930.
Consuelo e Winston Churchill em Blenheim Palace

Consuelo morreu em Long Island, Nova York, em 1964, e foi enterrada junto ao seu filho caçula, Ivor (e ao lado de Winston Churchill), nos jardins da igreja Saint Martin, em Bladen, vilarejo vizinho de Woodstock.

Friday 6 May 2011

McQueen and his birds

Minha enorme vontade de visitar a exposição do Alexander McQueen em NY foi frustrada. Tive que me contentar com o fraquinho “Genius of a Generation” enquanto meu “Savage Beauty” não chega. Mas as parcas páginas da obra de Kristin Knox me chamaram a atenção para uma das marcas registradas de McQueen: os pássaros. Presentes em estampas (inclusive na capa do referido livro), texturas (uso de penas com exuberância em roupas e acessórios, e até mesmo de pássaros empalhados, como na sua extraordinária coleção SS 2001) e formas (mulheres-pássaros?).

AW 2009, estampa com centenas de pássaros. Com o movimento do vestido, parecem quase tirar a modelo do chão.


SS 2001, águias prontas para resgatar um mulher quase pássaro também?

AW 2009. Quase um cisne, protegido em sua plumagem.

McQueen teve um difícil background: cresceu em um a moradia pública em uma das então decadentes regiões de Londres, foi rejeitado pelo pai quando ainda novo, e era maltratado na escola. Dono de uma forte personalidade e de um talento para poucos, foi determinado ao seguir sua carreira (e com enorme sucesso). Mas imagino que todos os conflitos de sua infância e juventude estivessem constantemente presentes no decorrer de sua vida. Creio que os mundos fantásticos e sinistros criados por ele fossem uma forma de libertação de seus próprios fantasmas (de uma forma extremamente criativa e bela). 

Em sua amizade com Isabella Blow, ele encontrou não apenas uma importante e influente conselheira que lhe abriu várias portas no mundo da moda, como também um bálsamo para suas angústias. Segundo o documentário “McQueen and I”, eles eram “dois forasteiros atraídos pela exuberância e espírito rebelde um do outro”.

Blow e McQueen, em Hilles.
Isabella era casada com Detmar Blow, herdeiro do homônimo arquiteto de Arts & Crafts, que projetou uma casa para seu próprio uso em 1913. A casa, chamada Hilles, em Gloucestershire, também era refúgio constante de McQueen. Lá ele podia ser ele mesmo. Podia ser, sem receio, mais um inglês apaixonado pelo campo. 

Hilles, em Gloucestershire.
Lembrei-me de sua entrada final no desfile de alta costura para o AW 1997-98, criado para a Givenchy. Aparentemente tímido, caminha segurando um falcão. E no referido documentário, para mim, uma das cenas mais marcantes foi ver esse mesmo McQueen claramente feliz e descontraído, brincando com um falcão no jardim de Hilles.

Passarela de alta costura da maison Givenchy, 1997.

Em um país onde cada metro quadrado (ou cada jarda quadrada!) é valorizado por ter um território tão restrito, somos privilegiados por termos os “public rights of way”, caminhos em meio a propriedades rurais em que o público tem o direito juridicamente protegido para passar e repassar. Sobretudo agora, na primavera, em todos os cantos temos a chance de observar os animais daqui: já vi coelhos, raposas, faisões e veados correndo (sim, os faisões estavam mesmo no chão, correndo assustados) nos campos e bosques.

Acho a relação do inglês com o campo algo extraordinário. Adoramos uma cachoeira ou uma praia, mas não temos a mesma relação com a natureza. Talvez porque durante metade do ano eles tenham um clima tão ruim (frio e escuro), esse contato funcione como um subterfúgio. Além disso, pensamos em nossa natureza como um recurso inesgotável a ser explorado. O inglês, altamente urbanizado, tende a pensar no campo como um bem precioso, a ser protegido contra o desenvolvimento.

Volto, agora, aos pássaros de McQueen. Vejo em suas criações um desejo de fazer sua mulher erguer vôo, alçada por centenas deles, ou emprestando a elas suas asas/penas, aconchegando-as, acariciando-as. Um reflexo talvez da liberdade que sentia ao se divertir com seu falcão, da paz proporcionada pela absoluta tranqüilidade do campo? Não sei, provavelmente não terei essa resposta. Mas acredito firmemente que grande parte da beleza de suas coleções venham não apenas de seu profundo senso estético, como também desses momentos de mágica harmonia.

 

Vídeo da abertura de seu desfile SS 2008, dedicado a Isabella Blow. Asas a sua musa.





Os céus do campo para Isabella Blow. SS 2008.



Wednesday 4 May 2011

Countryside

A primavera no hemisfério norte é bem diferente da nossa, que flori, mas não com a mesma exuberância daqui. É uma delícia apreciar o verde fresco das árvores (que até algumas semanas atrás pareciam mortas) e as mais variadas flores, cada espécie em um determinado momento. Adoro meus passeios pelas vizinhanças de Oxford, com paisagens nunca monótonas.


Com isso fica fácil entender porque o inglês é apaixonado pelo campo (maneira simplista e direta de ver o assunto, uma vez que, tradicionalmente, a vida aqui se baseava essencialmente no campo até o surgimento das grandes cidades, fenômeno recente diante de sua longa história).


Além dos inúmeros livros e revistas especializados no assunto, eles valorizam e buscam o contato direto com os lugares idílicos das páginas publicadas (independentemente da estação do ano). Buscam todo um conjunto, da natureza em comunhão com construções históricas, e aí opções não faltam. O país inteiro é recheado por mansões, palácios e palacetes e seus enormes jardins e bosques. Alguns deles ainda pertencem às famílias originais (que como apresentei no post anterior, lutam para manter suas propriedades rurais – uma forma de torná-las rentáveis), outros, foram entregues (ou vendidos) sobretudo a renomadas instituições como o National Trust e o English Heritage (além, é claro, das várias propriedades que agora estão sob os cuidados de nouveaux riches ou bem providos estrangeiros, para o desgosto da aristocracia). 


Estas instituições, hoje, restauram com grande atenção essas construções, tentando respeitar ao máximo o que estava ali anteriormente (quando não sabem com exatidão, ou não têm certeza do resultado, deixam “em branco” no lugar de usarem elementos que poderiam até ser condizentes com a época, mas não obrigatoriamente com o local). Além disso, devem mobiliar e decorar (quando for o caso). Pesquisas minuciosas são feitas para se conhecer todos os detalhes presentes em cada ambiente, e informar os visitantes (constantes viagens no tempo!). Ah, sem nos esquecermos dos cuidados com todos os jardins...


Para aqueles que desejam mais que uma breve visita, há o Landmark Trust e o National Trust Cottages. Estas organizações alugam (semanalmente ou durante o final de semana) casas históricas. Algumas delas, dentro da mansão principal, a maioria, em algum outro lugar com seus encantos (em alguns casos os encantos são tantos que há filas de espera de mais de 2 anos!!!). A estrutura da casa sempre é histórica, mas a decoração, apesar de sempre tentarem manter a atmosfera do lugar, é contemporânea (tudo bem, misturas são aceitas e valorizadas, com alguns toques de antiguidade), o que é perfeito, pois conseguimos, assim, experimentar o antigo com os confortos da atualidade. Melhor, impossível.



Thursday 21 April 2011

Goodbye to all that

Nas últimas semanas jornais e revistas do Reino Unido têm sido tomados por páginas e mais páginas sobre a monarquia, o que me chamou a atenção para o assunto nos mais diferentes aspectos. Comecei a perceber o peso da delimitação das classes sociais por aqui desde meu primeiro mês como habitante local. Ainda que os mais liberais afirmem que isso é coisa do passado, sotaques e preconceitos só confirmam a sua relevância. Nada que se possa comparar com o Brasil e toda a excessiva fragmentação (e volubilidade) de sua classificação social. Aqui tradições são importantes e, por isso, mantidas, inclusive nesta questão.

Historicamente os aristocratas tinham privilégios em relação às demais classes sociais. Eram detentores de grandes propriedades rurais (e em Londres, para seus negócios) e tinham influência na vida política da nação. Tinham um jeito próprio de se vestir e freqüentavam apenas locais destinados para seu grupo, não se misturando com as outras camadas sociais. Em tempos de casamento entre a nobreza e a classe média, a aristocracia, como um todo, reflete o século XXI, onde aqueles que ainda detêm suas elegantes propriedades rurais, lutam para pagar amargos impostos e elevados custos de mão de obra para manter seu patrimônio.


Alguns desses casos são apresentados no programa Country House Rescue, apresentado semanalmente no Channel 4, por uma simpática e convincente mulher de negócios que, conversando com os proprietários, identifica os pontos fracos na maneira como gerenciam seu patrimônio. Através de sua experiência, propõe soluções para que consigam tornar o lugar lucrativo de forma que consigam mantê-lo. Ela nos conduz, assim, a um mundo que beira a fantasia, dos interiores aos jardins de suas mansões (ou palacetes), alguns tão desgastados que quase chegam à ruína.

E é interessante (e acredito que às vezes até mesmo comovente para aqueles acostumados com o antigo conceito de nobreza) presenciar por vezes excêntricos, outras (em sua maioria) tradicionais famílias (e todo o seu código indumentário), se debatendo na tentativa de mudarem de atitude, abrindo mão de preceitos que sempre os regeram.

Tuesday 12 April 2011

Iolanthe

Sábado de sol no centro-sul do país, fui levada, ainda convalescente, para a inquieta Londres. Meu marido, grande admirador das obras de Gilbert e Sullivan, estava ansioso para me apresentar uma pequena parte do peculiar universo criado por esses gênios vitorianos.

Após uma longa jornada de ônibus atravessando a cidade (várias linhas de metrô estavam parcialmente bloqueadas – de qualquer forma, a viagem se fez mais interessante tendo a chance de apreciar a paisagem), chegamos ao East End. Entre ruas desertas, uma verdadeira jóia perdida no tempo se revelou: o Wilton’s Music Hall. Apesar de ter passado por uma recente reforma, o seu aspecto de velho foi mantido através de repinturas em paredes descascadas, conferindo-lhe uma aparência única em uma cidade que ama o antigo com cara de novo.


Fundado originalmente como o Prince of Denmark Public House em 1828, teve, em 1858, seu Music Hall construído no mesmo local. Funcionava como um enorme pub com um salão para apresentações de teatro de variedades. Após a morte de seu proprietário, John Wilton, em 1880, o local conseguiu sobreviver intacto a incêndios, alagamentos, guerra e igrejas (!!). Hoje o local tem um café (que também serve almoços frios, mas deliciosos) espalhado em dois ambientes super charmosos, além do teatro.


Chegando mais cedo, conseguimos uma mesa na calçada (uma ruela de pedestres), aproveitando um pouco de um agradável sol. Pessoas de todas as idades começaram a chegar, compondo uma eclética platéia. A esse ponto minhas expectativas de aproveitar ao máximo o calor daquela tarde finalizaram quando tivemos que praticar um dos esportes preferidos dos ingleses: ficar na fila (ah, sim, os lugares não são marcados). Mas logo, logo minhas reclamações foram esquecidas ao ser transportada no tempo no mágico interior do teatro, com suas pilastras, balcões e cores lavadas.


Sem demora as luzes se apagaram e lanternas começaram a seguir os movimentos de agitados estudantes que descobrem, na parafernália do palco, uma cópia empoeirada de Iolanthe, de Gilbert e Sullivan. E ali eles se transformam e começam o show, em um elenco composto apenas por homens, lindos e super talentosos.

Iolanthe é uma fada que foi banida de seu mundo por ter se casado secretamente com um mortal (o chanceler) e ter tido um filho seu, Strephon, que é metade fada, metade mortal (uma alegoria à política, parte liberal, parte conservadora). Strephon está prestes a se casar com Phyllis, a protegida do chanceler (antigo primeiro-ministro), que também está apaixonado por ela (assim como todos os outros políticos). A estória se desenrola divertida e espirituosamente num enredo de romances, mexericos e confusões, tendo sempre a política da época como pano de fundo.
  

Foram duas horas e meia de absoluto deslumbre pela obra, vozes e interpretações. Impressionantes falsetes em timbres de primorosos (para meus leigos ouvidos) sopranos e contratenores; coreografias ora graciosas, ora desajeitadas, mas extremamente estudas e perfeitamente coerentes.


O figurino, ah, o figurino foi um espetáculo a parte. A fada rainha, única merecedora de uma volumosa anquinha, também tinha uma genuína pele de raposa em seus ombros (como se usava no início do século XX, inteira, com cabeça e patas), longas cuecas samba-canção com um barrado de richelieu e um updated corselet nude. As fadas, tropeçando aqui e ali, vestiam inusitadas combinações de suspensórios e redes de ping-pong, também com cuecas e acessórios extremamente femininos como gargantilhas e cintas-liga. Os políticos tinham longos robes xadrezes (políticos que se sentiam em casa?), usavam chapéus loucos e colares de castanhas com relógios falsos, conferindo-lhes um ar de falsa sisudez. Despretensioso e divertido.


Para concluir, após a apresentação fui parar no Embankment Gardens para prestar uma homenagem à dupla, que muito contribuiu para deixar a vida mais divertida. Explico: lá foi colocado um monumento para Arthur Sullivan, com lindas esculturas em bronze (uma mulher, com todas as curvas requeridas da Art Nouveau, que chora junto a seu busto, além de instrumentos musicais), bem em frente ao hotel Savoy, onde suas obras foram originalmente apresentadas.


Uma perfeita celebração da primavera, tempo de florescer.