Páginas

Thursday 21 April 2011

Goodbye to all that

Nas últimas semanas jornais e revistas do Reino Unido têm sido tomados por páginas e mais páginas sobre a monarquia, o que me chamou a atenção para o assunto nos mais diferentes aspectos. Comecei a perceber o peso da delimitação das classes sociais por aqui desde meu primeiro mês como habitante local. Ainda que os mais liberais afirmem que isso é coisa do passado, sotaques e preconceitos só confirmam a sua relevância. Nada que se possa comparar com o Brasil e toda a excessiva fragmentação (e volubilidade) de sua classificação social. Aqui tradições são importantes e, por isso, mantidas, inclusive nesta questão.

Historicamente os aristocratas tinham privilégios em relação às demais classes sociais. Eram detentores de grandes propriedades rurais (e em Londres, para seus negócios) e tinham influência na vida política da nação. Tinham um jeito próprio de se vestir e freqüentavam apenas locais destinados para seu grupo, não se misturando com as outras camadas sociais. Em tempos de casamento entre a nobreza e a classe média, a aristocracia, como um todo, reflete o século XXI, onde aqueles que ainda detêm suas elegantes propriedades rurais, lutam para pagar amargos impostos e elevados custos de mão de obra para manter seu patrimônio.


Alguns desses casos são apresentados no programa Country House Rescue, apresentado semanalmente no Channel 4, por uma simpática e convincente mulher de negócios que, conversando com os proprietários, identifica os pontos fracos na maneira como gerenciam seu patrimônio. Através de sua experiência, propõe soluções para que consigam tornar o lugar lucrativo de forma que consigam mantê-lo. Ela nos conduz, assim, a um mundo que beira a fantasia, dos interiores aos jardins de suas mansões (ou palacetes), alguns tão desgastados que quase chegam à ruína.

E é interessante (e acredito que às vezes até mesmo comovente para aqueles acostumados com o antigo conceito de nobreza) presenciar por vezes excêntricos, outras (em sua maioria) tradicionais famílias (e todo o seu código indumentário), se debatendo na tentativa de mudarem de atitude, abrindo mão de preceitos que sempre os regeram.

Tuesday 12 April 2011

Iolanthe

Sábado de sol no centro-sul do país, fui levada, ainda convalescente, para a inquieta Londres. Meu marido, grande admirador das obras de Gilbert e Sullivan, estava ansioso para me apresentar uma pequena parte do peculiar universo criado por esses gênios vitorianos.

Após uma longa jornada de ônibus atravessando a cidade (várias linhas de metrô estavam parcialmente bloqueadas – de qualquer forma, a viagem se fez mais interessante tendo a chance de apreciar a paisagem), chegamos ao East End. Entre ruas desertas, uma verdadeira jóia perdida no tempo se revelou: o Wilton’s Music Hall. Apesar de ter passado por uma recente reforma, o seu aspecto de velho foi mantido através de repinturas em paredes descascadas, conferindo-lhe uma aparência única em uma cidade que ama o antigo com cara de novo.


Fundado originalmente como o Prince of Denmark Public House em 1828, teve, em 1858, seu Music Hall construído no mesmo local. Funcionava como um enorme pub com um salão para apresentações de teatro de variedades. Após a morte de seu proprietário, John Wilton, em 1880, o local conseguiu sobreviver intacto a incêndios, alagamentos, guerra e igrejas (!!). Hoje o local tem um café (que também serve almoços frios, mas deliciosos) espalhado em dois ambientes super charmosos, além do teatro.


Chegando mais cedo, conseguimos uma mesa na calçada (uma ruela de pedestres), aproveitando um pouco de um agradável sol. Pessoas de todas as idades começaram a chegar, compondo uma eclética platéia. A esse ponto minhas expectativas de aproveitar ao máximo o calor daquela tarde finalizaram quando tivemos que praticar um dos esportes preferidos dos ingleses: ficar na fila (ah, sim, os lugares não são marcados). Mas logo, logo minhas reclamações foram esquecidas ao ser transportada no tempo no mágico interior do teatro, com suas pilastras, balcões e cores lavadas.


Sem demora as luzes se apagaram e lanternas começaram a seguir os movimentos de agitados estudantes que descobrem, na parafernália do palco, uma cópia empoeirada de Iolanthe, de Gilbert e Sullivan. E ali eles se transformam e começam o show, em um elenco composto apenas por homens, lindos e super talentosos.

Iolanthe é uma fada que foi banida de seu mundo por ter se casado secretamente com um mortal (o chanceler) e ter tido um filho seu, Strephon, que é metade fada, metade mortal (uma alegoria à política, parte liberal, parte conservadora). Strephon está prestes a se casar com Phyllis, a protegida do chanceler (antigo primeiro-ministro), que também está apaixonado por ela (assim como todos os outros políticos). A estória se desenrola divertida e espirituosamente num enredo de romances, mexericos e confusões, tendo sempre a política da época como pano de fundo.
  

Foram duas horas e meia de absoluto deslumbre pela obra, vozes e interpretações. Impressionantes falsetes em timbres de primorosos (para meus leigos ouvidos) sopranos e contratenores; coreografias ora graciosas, ora desajeitadas, mas extremamente estudas e perfeitamente coerentes.


O figurino, ah, o figurino foi um espetáculo a parte. A fada rainha, única merecedora de uma volumosa anquinha, também tinha uma genuína pele de raposa em seus ombros (como se usava no início do século XX, inteira, com cabeça e patas), longas cuecas samba-canção com um barrado de richelieu e um updated corselet nude. As fadas, tropeçando aqui e ali, vestiam inusitadas combinações de suspensórios e redes de ping-pong, também com cuecas e acessórios extremamente femininos como gargantilhas e cintas-liga. Os políticos tinham longos robes xadrezes (políticos que se sentiam em casa?), usavam chapéus loucos e colares de castanhas com relógios falsos, conferindo-lhes um ar de falsa sisudez. Despretensioso e divertido.


Para concluir, após a apresentação fui parar no Embankment Gardens para prestar uma homenagem à dupla, que muito contribuiu para deixar a vida mais divertida. Explico: lá foi colocado um monumento para Arthur Sullivan, com lindas esculturas em bronze (uma mulher, com todas as curvas requeridas da Art Nouveau, que chora junto a seu busto, além de instrumentos musicais), bem em frente ao hotel Savoy, onde suas obras foram originalmente apresentadas.


Uma perfeita celebração da primavera, tempo de florescer.