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Sunday 12 June 2011

Lost and found

Entre tantas (boas) opções de séries produzidas pela BBC para a televisão, uma das minhas favoritas até o momento foi, sem dúvida, "At Home with the Georgians", apresentada pela brilhante historiadora Amanda Vickery, autora do livro "Behind Closed Doors: At Home in Georgian England", que deu origem à série.

Em quase três horas de programa (divididos em três grandes temas), Vickery nos leva a uma verdadeira viagem no tempo, entre as paredes das mais diversas moradias georgianas, com todos os seus costumes. Foi fascinante ter a chance de conhecer mais sobre esse universo, exibido com tanta diplomacia e riqueza de detalhes.

Mas o que mais me encantou foi, sem dúvida, o relato feito sobre um orfanato da época. Um dos maiores problemas sociais de Londres no início do século 18 era a enorme quantidade de crianças completamente abandonadas ou atiradas à compaixão das paróquias. Durante este período, 74% das crianças nascidas em Londres morriam antes de completarem 5 anos de idade, segundo os arquivos de história da BBC. Entretanto, à medida que a filantropia e ondas liberais da Igreja Anglicana ganhavam importância, novos hospitais foram fundados (lugares para pessoas, normalmente crianças, idosos e miseráveis, serem cuidados, não no sentido estrito da medicina, mas de forma geral), inclusive o Foundling Hospital, para crianças enjeitadas.

O fascinante sobre esse assunto é que, como não havia certidões de nascimento que pudessem ser mantidas como prova de maternidade, as crianças eram freqüentemente entregues ao orfanato com um pedaço de tecido (ou de um patchwork) que a identificaria caso, um dia, a mãe voltasse para exigir a criança, ocasião em que ela teria que apresentar um pedaço de tecido idêntico àquele entregue com seu filho. Por isto, essas amostras eram extremamente ricas em detalhes, seja na forma de uma estampa, de um bordado, ou mesmo ambos, de modo a assegurar a singularidade das mesmas. Tento imaginar a emoção da mãe ao escolher, preparar e dividir o tecido em duas partes, ação que representava sua separação de seu filho. E, sobretudo, ao tentar criar (ou escolher) o pedaço de tecido que se tornaria a identidade de ambos.


Vickery, no programa, visita o arquivo onde estão os livros de registro das crianças entregues no orfanato, verdadeiras raridades. Páginas em cor de sépia apresentam o número de registro, o sexo, o nome e a data de chegada da criança ao local em uma delicada caligrafia. Junto às informações, na mesma página, a amostra do tecido cujo par, tenho certeza, fora cuidadosamente guardado em um secreto lugar que mantinha a esperança de um dia se revelar de uma forma muito feliz, a de um reencontro.

 
Imagens da série "At Home with the Georgians", produzida pela BBC

 


 

Wednesday 8 June 2011

The glitter of the gold

Há algumas semanas, ainda no início da primavera, fomos até Woodstock, uma das minhas cidades favoritas nos arredores de Oxford (se reis e rainhas não tivessem lá morado, o lugar seria considerado um vilarejo, pelo seu tamanho). Dia de sol, o jardim nos chamava, mas o objetivo era mesmo o de finalmente explorar o interior do majestoso Blenheim Palace, onde o 11º Duque (e Duquesa) de Marlborough vive durante parte do ano.

Blenheim Palace









Local de nascimento de Winston Churchill, também serviu como cenário para diversos filmes, como "Greystoke", "The Avengers", "The Libertine", "The Young Victoria" e até mesmo "Harry Potter".  O lugar impressiona não apenas por suas dimensões, mas, sobretudo, por sua pompa carregada de história.

Entre tantos nomes importantes, tive uma feliz surpresa ao reencontrar Consuelo Vanderbilt em um retrato dos anos 1910 logo no início do tour. Conheci-a no Met Museum, em Nova York, na famosa pintura de Boldini, de 1906, em que aparece linda e suave com seu filho Ivor apoiado com uma pueril displicência em seu colo, em uma cumplicidade emocionante.

Consuelo Vanderbilt (1876–1964), Duchess of Marlborough, and Her Son, Lord Ivor Spencer-Churchill (1898–1956), Giovanni Boldini, 1906


Foi uma delícia passear entre paredes que revelavam vez ou outra, esta figura tão vistosa. Nascida em uma das mais ricas famílias americanas, casou-se, contra a sua vontade, com um dos muitos aristocratas ingleses falidos do final do século 19, para ter o título e propriedades que sua mãe tanto almejava. Um assunto tão familiar aos romances de Henry James e a um dos grandes sucessos da TV britânica dos últimos tempos, "Downton Abbey", em que normalmente terminam bem, mas este não foi bem o caso de Consuelo.

Consuelo Vanderbilt, por Paul César Helleu, cerca de 1900.
Extremamente educada, culta, rica (como a maioria das mocinhas da alta classe norte-americana do final do século 19) e bela (legado de sua avó de sangue cubano), Consuelo atraía vários candidatos. Sua beleza era tamanha que o escritor James Barrie (autor de “Peter Pan”) uma vez escreveu “Eu ficaria de pé o dia inteiro na rua para ver Consuelo Marlborough entrar em sua carruagem.” Obrigada a usar varas de metal no tórax e ombros para aperfeiçoar sua formosa postura quando ainda adolescente, ela encarnava com perfeição o difícil look magro e apertado tão em voga durante a era Eduardiana. Mas seu aspecto esguio e sutil, e seu bom gosto no vestir, garantiriam seu lugar privilegiado no ranking das mulheres mais elegantes do mundo com constância.

Consuelo Vanderbilt, 1899, by Lafayette
Consuelo, cerca de 1910

Capa da revista Life
Determinada a conseguir o candidato da mais alta posição social para sua única filha, uma união que enfatizasse a proeminência da família Vanderbilt na sociedade nova-iorquina, Alva Vanderbilt providenciou o encontro de Consuelo com o rico-em-propriedades, pobre-em-dinheiro, Charles Spencer-Churchill, 9º Duque de Marlborough, dono de Blenheim Palace. Apesar de Consuelo tê-lo rejeitado de todas as formas, estando apaixonada por um americano, sua mãe finalmente a convenceu a ceder quando, fingindo-se doente, acusou-a de estar matando-a com sua teimosia. O Duque, por sua vez, também se viu obrigado a desistir da mulher que amava para ganhar os 2,5 milhões de dólares (aproximadamente 75 milhões atuais) do dote.
Casamento de Consuelo Vanderbilt com o 9º Duque de Marlborough, 1895
O casamento aconteceu em Nova York, em 1895, e logo em seguida se mudaram para Blenheim. Apesar do desprezo mútuo, tiveram dois filhos, John Albert William Spencer-Churchill, Marquês de Blandford (que se tornou o 10º Duque de Marlborough) e Lorde Ivor Spencer-Churchill. Logo o casamento tornou-se de fachada. Separaram-se em 1906, divorciaram-se em 1921, e o casamento foi anulado em 1926.
Charles, 9º Duque de Marlborough, com Consuelo, Duquesa de Marlborough, e seus filhos John, o 10º Duque de Marlborough, e Lorde Ivor Spencer-Churchill, por John Singer Sargent, 1905
Consuelo casou-se uma segunda vez, em 1921, com o francês Jacques Balsan (um dos irmãos mais novos de Étienne Balsan, um dos primeiros amantes de Chanel), herdeiro da indústria têxtil e um dos pioneiros em balonismo e aviação. Depois de seu segundo casamento, Consuelo ainda manteve laços com os parentes da família Churchill, especialmente Winston Churchill (cuja mãe também era americana), que a visitava com freqüência na França durante os anos 1920 e 1930.
Consuelo e Winston Churchill em Blenheim Palace

Consuelo morreu em Long Island, Nova York, em 1964, e foi enterrada junto ao seu filho caçula, Ivor (e ao lado de Winston Churchill), nos jardins da igreja Saint Martin, em Bladen, vilarejo vizinho de Woodstock.